Quem já ouviu falar do meu livro, “O Panspectron: Como as redes sociais estão moldando a realidade” deve estar pensando:

Que raios é um panspectron?

O nome muito esquisito para um leitor leigo, mas faz todo sentido que para quem esta pesquisando sobre capitalismo de vigilância e ciência da informação.

Explicando de forma resumida, um panspectron é um modelo de vigilância sofisticada que se dá através da análise e modelagem dos dados de um grupo de indivíduos. O panspectron não esta focando em um individuo especificamente, mas sim em coletar todos os rastros digitais e dados do máximo de indivíduos indiscriminadamente, em busca de padrões ou desvios.

Agora vamos à explicação completa.

No livro, “War in the Age of Intelligent Machines“, de 1991, Manuel De Landa cunhou a idéia do Panspectron: “Ao invés de posicionar alguns indivíduos em torno de um sensor central, o Panspectron é como posicionar uma multiplicidade de sensores em torno de todos os indivíduos. Por exemplo, o vigilante usando suas fazendas de antenas, satélites espiões e interceptações de tráfego de cabos alimentam em seus computadores todas as informações que podem ser coletadas. Isso é então processado através de uma série de “filtros” ou listas de observação de palavras-chave. O Panspectron não seleciona apenas certos indivíduos e certos dados (visuais) sobre eles. Em vez disso, compila informações sobre todos ao mesmo tempo, usando computadores para selecionar os segmentos de dados relevantes para suas tarefas de vigilância. (de LANDA, 1991)”

Sandra Braman (2006) resgata o conceito do Panspectron, como modelo de vigilância do novo estado informacional do ambiente digital regido pelas redes sociais e suas inteligências artificiais, que coletam compulsivamente nossos rastros digitais e os modelam, através dos algoritmos de sua sofisticada inteligência artificial, criando inúmeros padrões, inferindo e comparando-o com milhões de outros, de forma indiscriminada, e determinando conteúdos e relacionamentos para o indivíduo.

Em seu livro “Change of State – Information, Policy, and Power in the Informational State“, 2016, Braman descreve o atual regime de informação, e para quem não sabe o regime de informação é o ambiente técnico, social e político por onde transita a informação, e no caso ela esta falando do ambiente digital, com as informações transitando nas redes sociais. Ela descreve o novo estado informacional como um regime de informação onde há um enorme desequilibro de poder, entre aqueles que detém o controle das redes sociais (os cardeais do algoritmo) e aqueles que as usam, nos os pobres mortais.

A principio este desequilíbrio de poder do panspectron não parece claro, principalmente para um usuário leigo, mas o “Cardeal do algoritmo” consegue inferir perfil psicológico e muitos outros dados de cada usuário, e a partir dai, criar modelos e compara-los com milhões de outros, em busca de padrões e desvios. O usuário, por outro lado, dificilmente percebe que existe uma vigilância tão poderosa e sofisticada, que permite ao cardeal do algoritmo conhece-lo melhor que ele mesmo. Isso mesmo!

As redes sociais lhe conhecem melhor que você mesmo, e desta forma podem conduzir seus desejos e anseios de forma a literalmente te controlar!

Para quebrar de vez o paradigma da vigilância, quando se fala nela, logo pensamos em câmeras de video e monitores com pessoas por trás de olho no que está acontecendo em tempo real, como na foto abaixo.

Central de vigilância do Shopping Rio Sul – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

A idéia de vigilância, até então, sempre se baseou na relação ver e ser visto, tanto que o modelo conceitual mais comum até o momento era o Panóptico, como na obra Vigiar e Punir: Nascimento da prisão, de Michel Foucault. E esta mudança Sandra Braman traz aos dizer que no Estado Informacional, o Panspectron substituiu o Panóptico. A vigilância do panspectron é muito mais eficiente e nem mesmo precisa de câmeras, ou vigilantes ativos.

“O panspectron também é um mecanismo de controle, com os recursos adicionais de que ele pode gerenciar muito mais indivíduos de uma só vez, e que os sujeitos de vigilância nunca sabem quando, como ou por que podem se tornar visíveis na tela panspectral. “

(Braman, 2006)

Você consegue imaginar o quanto suas interações nas redes sociais dizem sobre você? Cada clique, cada like, cada reação, cada comentário – inclusive os que você digitou e apagou, cada compartilhamento, cada rolagem de tela – alias a velocidade da rolagem, onde para, volta e segue, cada coisa que você publica, tudo isso é suficiente para o panspectron conhecer você profundamente, tão profundamente a ponto de lhe conhecer melhor que você mesmo(a).

E agora?

Antes de mais nada precisamos compreender que estes mecanismos, como o panspectron, não são construídos da noite para o dia, e não surgem de uma idéia diabólica ou genial, mas são construídos e aprimorados ao longo do tempo. No meu artigo “Uma perspectiva histórica e sistêmica do capitalismo de vigilância” eu traço justamente esta perspectiva histórica e sistêmica, mostrando como eventos e evolução tecnológica possibilitaram o panspectron. O texto é bem palatável ao usuário leigo, e mostra como que por trás de uma boa intenção, pode surgir mecanismos como este. No caso o ponto de partida é a proposta do “agente inteligente”, por Nicolas Negroponte em 1994, pouco antes do surgimento da Internet comercial, facilitando a vida do usuário. Dai pra frente segue uma história bem interessante, da qual fiz parte em vários momentos, e que vale a pena ler, vai lá baixa o artigo!

Mas a perspectiva descrita no artigo, não completa a questão, exista a estrutura tecnológica que descrevo em profundidade no meu livro, “O Panspectron: Como as redes sociais estão moldando a realidade“, no capítulo 7, o “organismo de vigilância”, ou seja, o panspectron. No texto é possível compreender os “dispositivos”, “metadispositivos” e o “organismo de vigilância” (panspectron), que hoje significa uma teia global com mais de 30 milhões de dispositivos interconectados, e que no livro, eram 14,9 milhões em 2020. Ou seja, dobrou em 3 anos!!! Ainda no livro descrevo os cinco campos potenciais do panspectron: técnico, mercadológico, legal, de segurança e comportamental. Todos os campos são passiveis de regulação, e você pode efetivamente atuar no campo comportamental para minimizar os impactos do panspectron em sua vida…

P.S. Se não quiser comprar o livro, pode baixar minha dissertação, o livro é uma versão revisada e ampliada dela, na dissertação, texto citado acima faz parte do capítulo 5, iniciando na página 89 e terminando na página 100.

Referências:

Braman, S. (2006). Change of State – Information, Policy, and Power in the Informational State. In Nature Publishing Group. The MIT Press.

CARIBÉ, J. C. R. (2019). Uma perspectiva histórica e sistêmica do capitalismo de vigilânciaInteligência Empresarial41, 5–13. http://www.crie.ufrj.br/destaque/revista-inteligencia-empresarial-n-41/541

CARIBÉ, J. C. R. (2019). Algoritmização das relações sociais em rede , produção de crença e construção da realidade. http://ridi.ibict.br/handle/123456789/1040

CARIBÉ, J. C. R. (2022). O Panspectron: Como as redes sociais estão moldando a realidade. JC Caribe.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: O nascimento da prisão. Almedina, 2014

de LANDA, M. (1991). War in the Age of Intelligent Machines. Zone Books.


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