Me desconectei por 15 dias e foi uma experiência incrível…

O smartphone nos transformou efetivamente em ciborgues, temos em nossa mão um dispositivo computacional de alta eficiência e equipado com câmera de foto e vídeo, microfone, GPS, acelerômetro, giroscópio, magnetrômetro, sensores de luz e proximidade, além de outros recursos que permitem a criação de aplicativos cada vez mais úteis, impressionantes e viciantes.

Há 20 anos, quando ainda “entravamos” na Internet através de nossos computadores, o máximo de mobilidade era alcançada com desajeitados e pesados laptops, e mesmo assim sua mobilidade estava limitada a um ponto de conexão física de rede. Hoje carregamos literalmente o mundo no bolso.

Nossos dispositivos estão conectados vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e o ano inteiro, mesmo enquanto estamos dormindo. Temos consciência desta nova camada, deste novo sentido — nossos dispositivos podem ser percebidos como um novo sentido, o oitavo sentido, já que existem linhas teóricas que afirmam existir um sétimo sentido.

Vivemos tão conectados que não percebemos estarmos sempre carregando um dispositivo biônico, o smartphone, para onde vamos, literalmente qualquer lugar. Estamos sempre checando as nossas redes, notificações que saltam na telinha do celular, com seus barulhos característicos, e quando não estamos prestando atenção, eles vibram no nosso bolso para chamar nossa atenção.

Este dispositivo biônico, através dos aplicativos, nos oferece gratuitamente inúmeras facilidade tais como obtermos a melhor rota para qualquer destino, possibilitar andarmos em qualquer lugar do mundo, medir e registrar nossos dados físicos e fisiológicos usando outros dispositivos biônicos conectados ao nosso corpo, ou monitorar nossa casa através de dispositivos conectados, interagir através das redes sociais, navegar na internet, planejar qualquer coisa, gerenciar nosso trabalho, e muito mais, tudo que temos de fazer é dar em troca nossos dados e nossa autonomia.

E as redes sociais?

Chamam de interação social, um indivíduo olhando para uma tela colorida, sociabilizando através de uma espécie de metaverso, onde ele pode interagir silenciosamente em um ambiente frenético e ruidoso. É sem dúvida um metaverso, pois toda sociabilização nestas redes é mediada por complexos algoritmos. Estes algoritmos, ou melhor conjunto de algoritmos, cuidam de registrar tudo que você faz, cada clique, like, comentário, compartilhamento, leitura, amigo, grupo, página, absolutamente tudo eles registram. Estes registros são comparados com inúmeros outros que foram coletados de outros usuários, criando um perfil tão preciso, que bastam apenas 300 curtidas para o Facebook saber mais sobre você do que sua(seu) parceira(o). Conhecendo-o tão bem, os algoritmos irão lhe oferecer experiências sociais tão gratificantes, que o manterá cada vez mais fiel, e viciado.

Além de lhe proporcionar boas experiências, os algoritmos do Facebook podem influenciar seu humor, sua opinião, sua percepção do mundo, o principal objetivo dele é obter receita por suas interações, só de Julho à Setembro do ano passado, ele faturou 10,14 bilhões de dólares em publicidade, para isto ele precisa que você interaja mais, e segundo a neurocientista Molly Crocket, a forma mais eficiente de fazer isto é apresentar uma postagem que te provoque, literalmente. Ao fazer isto ele garante que você irá reagir e produzir um burburinho na sua bolha pessoal de amigos. Segundo Crocket as redes sociais neste processo provocam em nos uma montanha russa emocional, e ainda não se sabe as consequências disto.

Na verdade o Facebook é o maior laboratório social do mundo, estudando e registrando absolutamente tudo sobre mais de 2 bilhões de pessoas, ele possui perfis super detalhados por segmentos e até indivíduos das mais diversas culturas, isto confere à rede social um poder nunca antes imaginado.

Estamos nos tornando tão dependentes das relações sociais mediadas por algoritmos, que já existem patologias específicas como a FoMO — Fear of Missing Out, que é literalmente o medo de ficar de fora nas redes sociais.

Estes são apenas alguns dos problemas encontrados, mas foram a gota d’água que faltava para eu me entregar à uma experiência interessante e gratificante.

A Experiência

Foram quinze dias sem acesso ao Facebook, entre 18 de Dezembro de 2017 e 01 de Janeiro de 2018. Desinstalei tanto o aplicativo do Facebook como o Messenger de todos os meus dispositivos, e não acessei a rede social pelo computador no período.

Para avaliar a experiência, usei oito indicadores subjetivos:

  1. Ansiedade — com objetivo de medir o nível de ansiedade/tranqüilidade. Sendo 10 ansiedade extrema e 1 tranqüilidade extrema.
  2. Otimismo — com objetivo de medir o nível de otimismo/pessimismo. Sendo 10 extremamente otimista e 1 extremamente pessimista.
  3. Percepção da realidade — com o objetivo de medir o quanto positiva ou negativa. Sendo 10 extremamente positiva e 1 extremamente negativa.
  4. Felicidade — com o objetivo de medir a felicidade/tristeza. Sendo 10 extremamente feliz e 1 extremamente triste.
  5. Stress — com o objetivo de medir o nível de stress como um todo. Sendo 10 extremamente estressado e 1 extremamente calmo.
  6. Produtividade — Indicador subjetivo da percepção de produtividade. Sendo 10 extremamente produtivo, e 1 improdutivo ao extremo.
  7. Sensação de alienação social — Indicador bem subjetivo da percepção de alienação social, geralmente percebida com o número, frequência e densidade das interações sociais. Sendo 10 totalmente alienado, e 1 totalmente engajado.
  8. Sensação de alienação informacional — Com o objetivo de medir a percepção de informação de conjuntura e contexto, geralmente dada por noticias e novidades compartilhadas por seus pares. Sendo 10 totalmente alienado e 1 totalmente por dentro.

Como eu sabia como quantificar os indicadores, não me preocupei em criar elementos para sua avaliação, o que se tornará indispensável para a próxima fase da experiência com outros voluntários. Também se tornará imperante estabelecer o período e amostragem necessária para termos um melhor critério científico.

O que aconteceu?

A primeira preocupação foi em como eu “sobreviveria” sem o Facebook por 15 longos dias, percebi que estamos tão habituados a acessar a rede frequentemente que me pareceu uma decisão radical demais para ser tomada. Esta preocupação seguiu pelos dois primeiros dias.

No primeiro dia a ansiedade e o stress estavam altíssimos, e caíram abruptamente a partir do terceiro dia.

A sensação de aumento de produtividade se deu logo no segundo dia, e subiu rapidamente. Em busca de uma justificativa percebi que o habito de checar o Facebook regularmente, ou simplesmente a ideia de faze-lo nos deixa um estado de “semi conectividade” — é como estivéssemos o tempo todo em um tipo de “sleep mode” e qualquer notificação em nossos dispositivos nos “acordava” para ele — isto acaba consumindo muito de nossa atenção. Deixar o celular fora de nosso alcance ou simplesmente dentro da bolsa com avisos sonoros desligados pode ter um impacto enorme sobre nossa produtividade. No terceiro dia a sensação já estava tão positiva que percebia ter tempo de sobra e foi subindo até atingir o pico no sétimo dia mantendo-se então até o final da experiência.

O otimismo e a sensação de felicidade foram outros sentimentos que tiveram uma evolução positiva e significativa a partir do terceiro dia. Já a sensação de alienação social cresceu muito nos três primeiros dias chegando a uma percepção de quase total alienação no quarto dia, e em seguida caiu vertiginosamente até chegar a valores insignificantes. Já a percepção de alienação informacional foi a mais difícil de lidar, percebi o quanto me informo pelos meus pares no Facebook, mas apesar de atingir o pico de quase total alienação nos quatro primeiros dias, caiu a níveis mais baixos, chegando à uma média percepção de alienação informacional.

Ao longo da experiência aumentei minha interação social presencial, e a interação pelo Twitter, WhatsApp e Telegram, acredito ter feito assim uma substituição que impactou nos indicadores de alienação social e informacional.

Após o décimo quinto dia, não retornei ao Facebook, só fui acessar a rede social pela primeira vez cinco dias depois. A sensação de bem estar tomou conta de mim, e a alienação continuou reduzindo significativamente, continuo me informando pelos meus pares, mas agora voltei ao velho hábito de buscar informação diretamente. Minha forma de usar o Facebook mudou totalmente, não pretendo instalar novamente os aplicativos no meus dispositivos, e não sinto vontade de acessa-lo mais que uma ou duas vezes ao dia, e não permaneço mais do que 15 minutos. Tenho postado a partir de aplicativos externos, o Instagram, o Buffer, e compartilhamento a partir de aplicativos.

Conclusão

A experiência foi gratificante, e chama a atenção para um problema que deve ser levado à sério, a nossa relação com nossos dispositivos biônicos e principalmente com nossas relações sociais mediadas por algoritmos. É necessário e urgente estudos multidisciplinares sobre o tema, na busca de formas de construirmos uma sociedade de ciborgues saudáveis, uma vez que não usar a tecnologia pode ser tão desastroso como usa-la de forma intensiva. É preciso, antes de mais nada, estabelecer limites, definir ao menos um dia da semana para ficar totalmente desconectado(a) e usar os recursos tecnológicos com moderação.

É necessário um cuidado ainda maior com as crianças, que estão aprendendo a serem seres sociais. Tenho me incomodado muito o hábito crescente dos país que entregam às crianças dispositivos para que estas se ocupem, enquanto os mesmos estão sociabilizando em restaurantes e eventos sociais. Estas crianças não estão aprendendo a sociabilizar, estão aprendendo desde cedo que podem se alienar através de seus dispositivos, aprisionando-as em um futuro no qual elas não terão a menor autonomia, e não saberão se relacionar pessoalmente.

Obrigado!


Como citar este texto

CARIBÉ, J. C. R. Precisamos Nos Desconectar Do Facebook!. Disponível em: https://vidaconectada.com.br/2018/05/06/precisamos-nos-desconectar-do-facebook/ acesso em: DD/MM/AAAA.


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