Shadow Regulations, ou regulações nas sombras, é uma prática que vem ganhando força nos principais provedores de aplicações na Internet, tais  como Facebook, Google, Twitter, Instagram dentre outros. Com as sucessivas falhas em regulamentar temas polêmicos como o ACTA, TPP dentre outros, os governos e grandes organizações passaram a “sugerir” à estes provedores de serviços, que incluíssem determinadas normas em seus termos de uso. Aquele termo de uso que você vive aceitando sem ler, ou você sabe exatamente o que concordou em aceitar usar o Facebook?

Esta prática vem crescendo e hoje é objeto de estudo da EFF (Eletronic Frontier Foundation) organização de direitos humanos, que trata de temas ligados a Internet.

Regulações na Sombra são acordos voluntários entre empresas (algumas vezes descritos como códigos, princípios, padrões ou diretrizes) para regular seu uso da Internet, geralmente sem o conhecimento do usuário.

A prática vem crescendo justamente por ser tão eficaz quanto qualquer lei, mas sem a necessidade de aprovação por um tribunal ou parlamento. De fato, às vezes, as regulações na sombra partem de funcionários do governo, que sugerem às empresas apresentarem uma solução “voluntária” ou a submeter-se à regulamentação governamental.

Um bom exemplo disto foram as iniciativas apresentadas pelo Google e Facebook para o combate às fake news nas eleições deste ano (2018) em seus domínios.

As regulações nas sombras são utilizadas em contextos diferentes, como a aplicação de direitos autorais, a regulamentação do “discurso do ódio”, o controle das fake news, restrição de vendas de produtos lícitos, entre outros. Com o uso da Internet focada em aplicações, torna-se muito mais fácil controlar e vigiar os indivíduos, que por sua vez devem estar cientes de que estão sendo vigiados e controlados, e até manipulados dentro do ambiente das aplicações de Internet. 

O modelo das regulações nas sombras não é novo, e muito menos é exclusivo da Internet. Durante a ditadura Brasileira, no final dos anos 70, as agências de propaganda temendo serem censuradas, criaram o CONAR, como sendo um conselho de auto regulamentação que praticava uma espécie de “auto censura” dentro do contexto da ditadura. 

No Brasil, o Marco Civil da Internet, também conhecido como a constituição da Internet, criou restrições à esta prática, como a garantia da neutralidade da rede, a inimputabilidade de terceiros, e a remoção de conteúdo somente por ordem judicial por exemplo. Mas isto não impede que o provedor de aplicação de Internet remova seu conteúdo por “ferir as regras da comunidade”, mas ao faze-lo, estará violando o Marco Civil. A inimputabilidade de terceiros tem sido amplamente combatida no congresso, através da proposição de emendas ao Marco Civil,  por empresas ligadas ao direito autoral. A inimputabilidade significa em linhas gerais, por exemplo, que o Facebook não pode ser responsabilizado legalmente pelo conteúdo publicado por seus usuários, até que estes sejam notificados judicialmente.

As regulações nas sombras, remetem à pesquisadora Sandra Braman, que no seu livro “Change of State”, no capítulo “Information, Policy, and Power in the Informational State”, descreve o novo modelo de poder. O “Estado Informacional” e a privatização do poder e controle:

Como as tecnologias que moldam as estruturas sociais e informacionais são cada vez mais matemáticas por natureza, novas ferramentas regulatórias que também são matemáticas estão sendo desenvolvidas. E como essas ferramentas vêm em uma forma sobre a qual os direitos de propriedade podem ser reivindicados, a privatização do poder público anterior é exacerbada no estado informacional (BRAMAN, 2006, Tradução nossa).

No Estado Informacional, quem julga e delibera são os algoritmos, que possuem em seu núcleo as “Shadow Regulations” codificadas. Desta forma, o julgamento é feito de forma automática sem possibilidade de apelação. Casos mais simples como a remoção da obra artistica “A origem do Mundo“, por apresentar nudismo, não representam um problema maior. Porem outros julgamentos equivocados podem provocar danos muito grandes ao indivíduo. Como defende a Matemática Cathy O’Neil, os algoritmos são modelos matemáticos que codificam o preconceito e o viés.

Se as regulações nas sombras não lhe preocupam, vamos tomar um exemplo bem hipotético do seu dia a dia.

Suponha que ao embarcar no ônibus, um funcionário peça para você abrir a bolsa ou mochila para que ele possa revistar. Obviamente isto vai causar mal estar e você irá dizer que isto não tem suporte legal, é uma invasão de privacidade. Pois bem, o funcionário irá responder que você não precisa passar por uma revista, mas que para isto precisa descer do ônibus. Certamente questionará o suporte legal desta prática. O funcionário então irá lhe mostrar o regulamento do “cartão de passagem” que você aceitou, não leu, mas aceitou.

Continuando no campo das hipóteses, vamos entender como esta regulação  aconteceu. Supondo que houve uma grande reunião entre os empresários de ônibus com a secretaria de segurança sobre assaltos frequentes nos ônibus, e a dificuldade de controlar o eventual acesso de um passageiro armado, eles decidiram colocar esta cláusula no termo de uso do “cartão de passagem”.

Obviamente que neste exemplo local, você dirá que rapidamente o Ministério Público irá suspender a prática com base legal.

Porém o mesmo não se aplica às gigantes redes sociais transnacionais que não contam com um órgão regulador igualmente transnacional, restando apenas a corte de seu país de origem e os tratados internacionais, tornando muito difícil reagir à esta prática.

Bibliografia

BRAMAN, Sandra. Change of State: Information, Policy, and Power. The MIT Press, 2006.

ELECTRONIC FRONTIER FOUNDATION. Shadow Regulation, 2014. Disponível em: https://www.eff.org/issues/shadow-regulation . Acesso em: 14/11/2018.

O’NEIL, C. Weapons of math destruction: How big data increases inequality and threatens democracy. United States: Crown Publishing Group (NY), 2016.


0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *